Filhas
do Cerrado
A cor rosa ilumina as
noites de outubro no Congresso Nacional, durante a campanha mundial
contra o câncer de mama. A uns oitenta quilômetros dali, em Águas
Lindas de Goiás, Matilde, empregada doméstica, está sentada num
banco de madeira do lado de fora do posto de saúde. São duas da
manhã. Atrás dela, há, pelo menos umas trinta pessoas, todas
aguardam a distribuição de senha. Matilde tem os olhos cansados.
Faz frio e Matilde sente que as cólicas estão piorando.
A cor rosa ilumina as
noites de outubro na Procuradoria-Geral da República, durante a
campanha mundial contra o câncer de mama. Patrícia chega assustada.
Usa calça jeans e blusa branca. A blusa tem sangue. O marido a
agrediu na cabeça com um pedaço de madeira. Os policiais de plantão
na delegacia do Gama riem dela e dizem que não podem registrar a
ocorrência porque o agressor é policial também.
A cor rosa ilumina as
noites de outubro no Palácio do Planalto, durante a campanha mundial
contra o câncer de mama. Rosália está desacordada e os enfermeiros
a colocam numa maca. Sangue escorre por entre suas pernas. Na
emergência do Hospital da Asa Norte, um homem de quarenta anos, cuja
cabeça pende para a direita, aguarda atendimento sentado numa
cadeira próxima ao banheiro. Um bebê de oito meses chora sem parar.
A mãe diz que o intestino dele não funciona há três dias. Horas
depois, comunicam à família de Rosália que ela faleceu devido a
uma hemorragia provocada por um aborto.